O Meu Filho é Sobredotado?
"Passa , ave, passa, E ensina-me a passar."— Fernando Pessoa
Nada deste tema é aqui falado no sentido pejorativo. Há apenas um foco especializado e adaptado que deve ser feito, tanto no sentido de não prejudicar a felicidade e as capacidades destes jovens como no sentido de as aproveitar.
Os sobredotados precisam do mundo e o mundo precisa dos sobredotados!
Parece óbvio reparar que não foi a pessoa "média" que meteu o Homem na Lua ou que descobriu como editar um genoma humano de forma fácil ou que escreveu o poema "I’m Nobody! Who are you?". A civilização está dependente de pessoas excecionais, dotadas em algo para lá do normal.
Outra constatação óbvia é o quão mal-adaptadas estão as escolas, e muitas vezes até as famílias, a estes jovens. E não há Ritalina que resolva esta mal-adaptação.
Imagine o que seria encontrar a criança Albert Einstein e ela ter uma vida tão desenquadrada, tão miserável e tão infeliz que nunca teríamos de facto o Albert Einstein que conhecemos. Com quantas crianças está a acontecer isso neste preciso momento?
A palavra "sobredotado" virou chavão para o super-nerd ou esquisitoide intelectual da família. Compreende-se esta sabedoria popular. Mas convém ser bastante mais técnico e empático, para não ficarmos nem por um elogio que pode ser avassalador nem por um insulto anti-social.
Faça o seguinte exercício mental. Abra agora o Youtube e escolha um vídeo com alguém a falar. (Faça-o mesmo, vá lá, não seja desmancha-prazeres...) Agora meta o vídeo em velocidade bastante lenta. Imagine o tédio que é lidar com o mundo "normal" assim. Agora meta na velocidade máxima. Imagine o que é para quem está de fora se sintonizar com a cacofonia que vai na cabeça do jovem e o tipo de desafios em que ele próprio se mete na cabeça dele.
Um sobredotado pensa mais. E por vezes de forma involuntária, como que sendo arrastado pelo pensamento.
Note-se que nada disto significa que seja necessariamente mais ou menos trabalhador, inteligente ou criativo, na prática. Por exemplo, o quão compreendido já está e o quão bem-adaptado já está pode fazer toda a diferença. É precisamente por esta diferença entre potencial e resultados que tudo isto é importante.

Características dos Jovens Sobredotados:
(Note-se antes de mais que há todo um contínuo e que podemos estar enviesados a avaliar. Há também a questão do défice de atenção e hiperatividade, que pode existir e ser algo diferente. Seja crítico e faça sempre de advogado do diabo também. E consulte um profissional para o ajudar.)
- Avançado nas habilidades linguísticas comparado aos pares. [Quiz de vocabulário]
- Dificuldade em fazer escolhas; quer explorar tudo.
- Elevada capacidade de compreensão e intuição, mas pode ter dificuldade em comunicá-las.
- Pode ficar preso em loops de análises infinitas sobre algo básico.
- Propensão a hiper-intelectualizar temas e situações.
- Resistência a mudanças comportamentais. Por vezes, isso implica aversão a experimentar coisas fora da zona de conforto ou em que anteriormente notou falhas ou maus resultados.
- Frustração e falta de motivação em tarefas percebidas como "fáceis".
- Desgosto por testes padronizados.
- Hipersensibilidade ou superexcitabilidade em várias áreas.
- Tendência a depender mais da teoria do que da experiência.
- Natureza idealista.
- Preferência por material de aprendizagem em vez de literatura de ficção.
- Desenvolvimento cognitivo avançado, mas possíveis atrasos em habilidades sociais.
- QI elevado. Ou seja, é aqui, por definição, e de forma bastante mensurável, melhor que a maioria. Por exemplo, num grupo aleatório de 50 crianças da mesma idade, ele é o mais avançado cognitivamente, parecendo ter mais idade do que o que tem.
- Dificuldade em conformar-se com as normas sociais.
- Desenvolvimento assíncrono (intelectual, emocional e social).
- Propensão ao tédio.
- Habilidade em perceber detalhes e padrões que outros não notam.
- Tendência ao perfecionismo e obsessão.
- Pode perder-se em grandes narrativas de sonhar acordado.
- Mais suscetível a esgotamento (burnout).
- Sentimento de inadequação e vergonha.
- Evita avaliações em que receia falhar.
- Muitas vezes é muito mau e pouco produtivo numa tarefa e depois super-produtivo e imparável noutra. Notam-se claras descontinuidades.
- Tem uma aprendizagem autodirigida, autónoma e apaixonada.
- Curiosidade insaciável e criatividade incomum.
- Propensão ao isolamento social.
- Insatisfação com conversas e explicações superficiais.
- Pensamento que se ramifica em múltiplas possibilidades.
- Sentido de humor avançado e imaginação fértil.
- Incapacidade em ignorar problemas e forte desejo de resolvê-los.
- Sensibilidade à injustiça e tendência à ansiedade.
O Que Fazer Com Jovens Sobredotados?
- Tente compreender a neurociência e psicologia do tema (a sério, não as tretas superficiais que encontra no Instagram ou em revistas para gente "culta").
- Deve aprender a criar uma certa identificação e separação do conteúdo mental. Senão vive refém do seu super-computador cognitivo. Aqui claramente que atividades físicas, meditação, yoga, etc., podem ser fundamentais.
- Acompanhe o ritmo da criança, dando-lhe desafios adequados.
- Compreender e não esquecer que muitas vezes se formos brilhantemente "freaks" em relação a algo que a sociedade goste, então tudo bem, se tivermos o azar de o ser num sentido que ela não goste ou nem saiba que goste ou que ainda não goste, então o tipo é maluquinho, coitado.
- Não tenha receio de reconhecer e aceitar que o seu filho é sobredotado.
- Não faça também o contrário, de o meter em pedestal tal, em que ele se sente pressionado e sente que é um desastre quando falha num desafio sobre-humano em que se meteu.
- Incentive experiências práticas além do estudo teórico. Mesmo quando a realidade parece pouco inteligente ou básica, não deixa de ser mais importante que a teoria, porque é de facto a realidade.
- Comunique abertamente, mostrando apoio e compreensão.
- Assegure-se de que a criança tenha pessoas na sua vida que a compreendam e apoiem. Da idade dela ou mais velhas.
- Encoraje a experimentação e a tentativa sem medo de falhar.
- Evite comparações vagas com outros e valorize o processo de aprendizagem.
- Reconheça que mesmo os sobredotados precisam de estratégias para superar desafios.
- Ajude a detetar as capacidades acima da média e as capacidades abaixo da média.
- Eduque sobre a necessidade de investir tempo e recursos muito grandes quando de facto as metas também são muito grandes. Mesmo quando aparentemente um sobredotado está a fazer uma tarefa igual a um par da mesma idade, ele pode estar a fazê-lo duma forma internamente muito mais difícil. Isto leva a que falhas dele tenham de ser relativizadas, tanto no sentido de ser normal, porque ele estava a tentar fazer algo mais difícil, como no sentido de se calhar não ser mesmo necessário fazer dessa forma mais difícil e talvez bastasse fazer como os outros.
- Ajude-os a encontrar atividades que permitam utilizar as suas habilidades.
- Perceber que em certas coisas não tem problema não ser igual aos outros, muito pelo contrário.
- Perceber que em certas coisas convém estar pelo menos em harmonia com os outros. Não contribuir para o estereótipo do esquisitoide.
- Cuidado com os videojogos. Tal como se percebe pelo que aqui se tem descrito, é natural que este tipo de jovem encontre nos jogos exatamente o tipo de estimulação cognitiva e social que se encaixa perfeitamente nele e onde encontra pessoas como ele. É preciso que não caia literalmente só nisto e desista de procurar tal encaixe noutros sítios.
- Elogie o esforço e as estratégias adotadas, em vez de focar apenas nos resultados ("process praise").
- Crie um ambiente que encoraje a aprendizagem baseada no domínio e não apenas no desempenho.
- Monitorize potencial bullying e a integração social e treine o que procurar e o que evitar.
- Ofereça oportunidades para aprofundamento e estudo em áreas de interesse.
- Ensine habilidades de gestão do tempo e estabelecimento e cumprimento de metas.
- Ensine a dividir o empenho entre levar as coisas para a frente de forma rotineira e o desbravar novos desafios, muitas vezes caóticos. É muito natural um sobredotado enterrar-se em algo durante horas sem parar indo subindo em dificuldade ou então em estar constantemente a começar coisas novas progredir em nada de forma consistente. É fácil de dar este conselho genérico, mas difícil de o executar.
- Ofereça suporte emocional e, se necessário, procure apoio de profissionais.
- Partilhe experiências com outros pais em situações semelhantes.
- Ensine sobre a importância da empatia e o valor das habilidades sociais.
- Estimule a autorreflexão e o desenvolvimento da inteligência emocional.
- Esteja atento e aberto a discussões sobre justiça e ética.
- Incentive o desenvolvimento de habilidades de autorregulação.
- Não seja demasiado politicamente correto com ele, no sentido em que muitas vezes os pais querem mostrar-se muito compreensivos e o filho sobredotado recebe deles um feedback ou muito pobre ou mesmo falso. Sinceridade e pragmatismo conferem aqui fontes de informação muito importantes, vinda de alguém que ele sabe que gosta muito dele. Se acho que ele está a fazer uma coisa ridícula, digo-lhe que ele está a fazer uma coisa ridícula e vejo o que ele acha depois do meu feedback.
- Ajude-o a encontrar mentores ou modelos que o possam inspirar.
- Direcione-o para oportunidades para contribuir para a comunidade ou participar de projetos significativos.